quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

História escrita nas paredes


21.01.2014

Com prefácio de Criolo, na obra do cearense, radicado em São Paulo, Eleilson Leite lança luz sobre a arte da periferia b
Associar o nascimento do graffiti à cultura hip hop é um erro comum - e até razoável. Foi o primeiro "mito" que caiu por terra para o historiador Antonio Eleilson Leite, em 2000, quando estreitou seu contato com o universo desta arte urbana. Assinando o livro "Graffiti em SP: tendências contemporâneas", publicado pela editora Aeroplano, o autor parte da ruptura com essa ideia pronta para pensar a produção, apontar os caminhos da atualidade e apresentar artistas da periferia paulistana.

Pesquisador cearense refaz trajetória do graffiti, a partir do caso paulistano
O caso de amor entre o hip hop e o graffiti começou no anos 1990. A relação se tornou quase um fenômeno natural das grandes cidades, explica o pesquisador. No entanto, desde o fim da década de 1970 uma gama relevante de artistas paulistas que já faziam graffiti. A cena se fortaleceu na década seguinte. Um dos pioneiros foi Alex Vallauri, primeiro a utilizar spray para registrar sua arte nos muros.

A epígrafe do livro, de saída, resgata frase do porta-voz curitibano da poesia concreta, Paulo Leminsky: "Uma parede em branco é um desperdício de ideias". "O graffiti, em São Paulo, surge das pichações poéticas que existiam nos anos 1970 e que o Paulo Leminski valorizava muito", situa o autor em entrevista ao Diário do Nordeste, em passagem por Fortaleza, na semana passada.

Perfil
O estudo refaz o percurso da arte, dos primórdios da produção ao momento presente, que tem na periferia um caldeirão criativo. O livro, reforça o autor, é propositalmente orientada aos artistas de periferia. Nomes de destaque na cena, como o dos irmãos Os Gêmeos, Binho ou Speto, ficam praticamente de fora, exceto por uma ou outra citação. Entram artistas como Magrela, Tota, Thiago Vaz, Pankill, os grupos Sprayadas Negras, coletivo Água Branca, Coletivo Nueve Polar, Coletivo 5 Zonas.
Eleilson registrou, pelo menos, três características que se acentuaram com maior intensidade ao longo da última década. Primeiro, a presença de mulheres artistas. O fenômeno, explica, é recente, registrado apenas a partir da última década e tem nomes já bem reconhecidos individualmente, mas especialmente em coletivo. "As meninas têm essa tendência maior de formar coletivos. A participação delas na Semana de Cultura Hip Hop já chega a um terço dos artistas de graffiti", diz.

Ele destaca trabalhos como o ensaio de Negahamburguer que utiliza como suporte tábuas de cortar carne. Outro ponto em voga, é a própria formação de coletivos. "Há uma predominância de coletivos na periferia. Isso é muito interessante, porque graffiti paulistano é muito autoral, com Speto, Os Gêmeos, Binho; na periferia, ele é predominantemente coletivo. Isso remete ao que acontecia nos anos 1980", compara.

O autor busca, ainda, refletir sobre conceitos estéticos e ideológicos que perpassam a obra dos grafiteiros ou coletivos da nova geração, como, por exemplo, a relação deles com a cidade, questões ligadas à moradia e ao gênero. A afirmação da identidade negra, faz parte do terceiro ponto. Eleilson chama atenção para a aparição ainda dos grafiteiros negros que fazem disso o tema de suas criações. "É um graffiti negro, feito por negros e com negros sendo representados. Lembro que alguns desses artistas diziam que antes não existia sequer spray para desenhar negros, eles tinham que misturar cores para chegar ao tom de pele", ilustra.

Pesquisa

Antonio Eleilson é cearense, natural de Saboeiro, radicado em São Paulo, mais precisamente no Jardim Tremembé, um bairro da periferia, na Zona Norte da capital paulistana. Desde 2004, ele está à frente da Unidade de Cultura da ONG Ação Educativa, que promove anualmente a Semana de Cultura Hip Hop. Em 10 anos, o evento congregou mais de 300 artistas, que serviram de base para a análise.

"O graffiti da periferia, do hip hop, nunca teve projeção à altura do que ele merece. Assim como a pintura, em geral. Não querendo ser redundante, mas a periferia fica sempre muito a margem", reforça Antonio Eleilson, sobre o recorte proposto.

O texto de apresentação é assinado pelo rapper Criolo, que reforça essa intervenção questionadora, questionando um clichê que diz que a cidade é o suporte do graffiti. "O suporte do graffiti é a mente, a cidade só recebe a visita", rebate o rapper em seu texto.

Entre as contribuições, estão ainda depoimentos assinados pelos próprios grafiteiros, detalhando um pouco da trajetória e proposta estética/ideológica dos trabalhos, individuais ou assinados por coletivos. Eleilson também resgatou os catálogos das dez edições da Semana do Graffiti, que, além de servirem de base para análise, deles foram resgatados textos preciosos sobre os artistas homenageados em cada edição - Alex Vallauri, Jonh Haward, Tota, Niggaz, assinados por críticos como João Spínelli, Paulo Klein e o próprio Eleilson.

O livro é parte da coleção Tramas Urbanas, que tem curadoria de Heloisa Buarque de Hollanda, e proposta editorial de abordar os temas e histórias dessas zonas periféricas da capital paulista.

Fábio Marques
Repórter

LIVRO
Graffiti em SP: tendências contemporâneas
Antônio Eleilson Leite
Aeroplano
2013, 192 páginas
R$ 25

FIQUE POR DENTRO
Alex Vallauri, a trajetória de um pioneiro
Em fins dos anos 1970, em meio à turbulências políticas e artísticas, os muros e a cidade de São Paulo eram suporte para intervenções de visuais e herdeiros da poesia concreta. Era uma arte de caráter marginal, contraventora, mas não ligada às culturas de periferia, como se popularizou anos depois. O descendente de italianos - e natural da Etiópia - Alex Vallauri é considerado um divisor de águas desta geração, ao introduzir o spray na composição de suas obras. "Era considerado pelos amigos como um andarilho urbano, que, sem receio algum, perambulava durante o dia ou madrugada adentro pelas ruas da cidade procurando espaços e superfícies ideais para seus desenhos", registra Eleilson Leite, em "Graffiti em SP". Sua primeira intervenção, foi uma bota, impressa com a técnica de estêncil em diversos pontos da cidade. O artista recorria, em geral, a imagens do cotidiano, e caiu no gosto de um considerável público nos bairros da classe média paulistana. Seu trabalho mais conhecido é o personagem Rainha do Frango Assado. 

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1363766

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