segunda-feira, 23 de maio de 2011

E quando a arte é caso de polícia? Se a expressão artística é livre nos regimes democráticos, uma modalidade de manifestação estética pela pintura ainda enfrenta o preconceito social. O graffiti provoca a reflexão e também a indignação de alguns quando confundem esta modalidade de arte com pichação. O diálogo entre graffiteiros e policiais nem sempre é amistoso. E ambos têm lá suas razões. Se o artista tem o direito à livre expressão, os locais escolhidos para imprimir sua arte são, via de regra, muros de construções privadas. Na maioria das vezes são terrenos abandonados e passíveis de intervenção. Mas em qualquer situação, a primeira expressão de quem vê é de revolta. É a arte sob os olhares vigilantes da sociedade. E é esse o propósito do artista de rua. 
Graffiteiros elegem muros "abandonados" da cidade para registrar mensagens de cunho social e que levem à reflexão. Foto: Fábio Cortez/DN/D.A Press.


"Ainda acontece o preconceito. Muito mais por que falta conhecimento para definir o que é arte de maneira coesa". A opinião é do artista de rua Pedro Ivo. "A pichação e o graffiti se confundem porque nenhum é permitido em vias públicas, quando deveria". Para Pedro, o trabalho dos jovens artistas de Natal exposto em viadutos transformaria os paredões da cidade em grandes murais, vistos e comentados pelos diferentes segmentos sociais. "Já tentaram pintar o viaduto do quarto centenário, mas foram pegos pela Policia Rodoviária Federal e hoje ainda cumprem pena alternativa. É uma prova de que o grafitti ainda é rejeitado e mantém seu lado transgressor", opina.

A reportagem de O Poti/Diário de Natal acompanhou Pedro e a namorada Beatriz Arruda - ambos universitários - numa intervenção no muro pertencente à UnP, vizinho à unidade situada na Avenida Roberto Freire, em Capim Macio. Ele já sabia qual muro pintar. "Um terreno da UnP onde já tem intervenção. Então ta liberado. É local de ótima visibilidade: passa gente das zonas Norte e Sul". Pedro e a namorada arrancam cartazes de shows também colados sem autorização e pintam uma base branca para destacar a figura desenhada depois, praticamente pintada com técnica de stencil (desenho ou ilustração formado a partir de cortes delineados em papelão ou outro material, que podem ser aplicados em superfícies - uma espécie de molde vazado). Ainda sem qualquer forma definida e portando os mesmos materiais de pichadores, são facilmente confundidos por quem passa.

"Acho errado, uma atitude quase marginal, mas corajosa", opina a estudante Kariny Procópio, 21. Coragem não é o adjetivo preferido de Pedro. Ele destaca mais a liberdade da criação, a crítica e a reflexão estética. "O que me fez criar arte a partir da rua foi a falta de regras formais na pintura; a liberdade em ousar". Enquanto pintava, o artista também repetiu algumas vezes o intuito de despertar reflexões na sociedade. A estampa ou desenho impresso na parede do muro em plena Roberto Freire mostra isso: o rosto de um rapaz de cabelos longos e trançados cuja camisa leva a mensagem de união de "todos" (os preconceituosos com a arte de rua ou não) contra o uso de drogas. Na mão do boneco, a figura de um sábio, assemelhado ao médico Hipócrates. "É a metáfora do conhecimento".

Grafitagem x pichação

"O grafitti é o lado estético e reflexivo. A pichação se preocupa em ocupar o espaço com a crews (grupos organizados); é mais transgressivo. Embora ambos se utilizem de espaços privados e inutilizados". Pedro sabe o que fala. Ele começou na rua. "Participava de grupos de torcidas organizadas como pichador, escrevendo letras soltas, sem desenhos. Quando entrei na UFRN descobri outras formas de estampagem, como o stencil. Desde então sou mais grafiteiro que pichador, procurando através da educação um espaço em que possa deixar minha arte disponível ao público que passa pelos lugares que pinto". Pedro vislumbra um futuro profissional ao artista grafiteiro: "Não é moda ou estilo de vida, apenas: é ferramenta de difusão cultural massiva e contemporânea".

Em um início de século turbulento às artes plásticas mais tradicionais, o grafitti divide opiniões quanto ao status de arte transgressora e vanguardista. O professor e crítico de arte Vicente Vitoriano rejeita os dois conceitos. "O grafitti se tornou arte institucionalizada; já saiu das paredes das ruas para as galerias e muros de residências. A pichação, sim, é que é ilegal e transgressora. Quando Jean-Michel Basquiat (haitiano) é alçado a estrela nos Estados Unidos, é porque o graffiti saiu das ruas e alcançou as telas". E o professor lembra quando o graffiti chegou em Natal na década de 80, com destaque para os humanóides do hoje consagrado artista plástico Marcelus Bob.

Iniciante na grafitagem, o universitário Paulo Vitor é enfático: "Sou contra vanguardas. O grafitti é uma arte experimental. Tentamos inovar. É uma arte sem fronteiras". O próprio trabalho de Pedro Ivo - que começou como pichador de torcida organizada - mescla o graffiti e a pichação. A assinatura de suas artes são tags (letras quase ilegíveis, como se fossem símbolos), características da pichação. "De um certo modo quando estamos na rua somos pichadores porque pintamos sem autorização. Mas não pintamos como jovens de 15 anos. Cabe às pessoas enxergarem a diferença".

Grupos

Pedro Ivo ressalta que há grupos mais organizados, identificados pelo estilo de arte, a exemplo do FSC, BDL, Loucos... "Neles se misturam grafiteiros e pichadores. O Loucos, por exemplo, pintaram o graffiti de um homem com o olho na mão, no muro do 16 RI. E esse mesmo grupo pichou a fachada do Procon, na Ribeira". E conclui: "Quando pintamos na Roberto Freire poderíamos ser abordados pela polícia a qualquer momento. Há uma aceitação crescente, mas na prática a defesa pela arte da grafitagem ainda inexiste".

O grafitti se tornou arte institucionalizada; já saiu das paredes das ruas para as galerias e muros de residências. A pichação, sim, é que é ilegal e transgressora. Quando Jean-Michel Basquiat é alçado a estrela nos Estados Unidos, é porque o graffiti saiu das ruas e alcançou as telas.. .



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